Desmonte da cultura foi escancarado com a Lei Aldir Blanc

Amanda Krohn
4 min readJul 9, 2021

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Extinção do Ministério, redução de recursos e desqualificação do setor resultaram em problemas para a aplicação da lei

Desde 2016, o Ministério da Cultura vêm sofrendo com a falta de incentivos. Em janeiro de 2019, a pasta foi oficialmente extinta. (Imagem: Nayani Teixeira/Unsplash)

Amanda Krohn, Kellen Dalbosco, Letícia Costa e Adriana Corrêa

No dia 1º de janeiro de 2019, em um dos primeiros atos do governo Jair Bolsonaro, o Ministério da Cultura foi oficialmente extinto pela medida provisória nº 870. Criado em 1985, o órgão federal, que nasceu com a redemocratização, acabou morrendo, ironicamente, no governo mais militarizado da chamada nova república. Quem afirma isso é o pesquisador Tarson Nunez. “Nos últimos anos temos assistido a um processo de desestruturação das políticas públicas do setor. Especialmente na última década, houve uma redução do investimento nas três esferas de governo”, expõe.

Nunez, que é servidor estadual e um dos autores deste outro estudo que investiga a impacto da indústria criativa na economia do RS, aponta que o percentual dos gastos públicos (governo federal, estados e municípios) caiu de 0,28% dos gastos totais para 0,21%, diminuindo a porcentagem de gasto com cultura — os dados são do IBGE. Para ele, sublocar a cultura a uma secretaria dentro de outro ministério a tornou subalterna. O pesquisador ainda comenta que este desmonte iniciou antes mesmo da extinção do Minc, em 2016, com a redução de recursos e tentativas falhas de acabar com o ministério. “A área passou a viver um momento de instabilidade. A secretaria que substituiu o ministério já teve pelo menos três dirigentes diferentes em menos de três anos de governo, enquanto as demais estruturas vêm sendo ocupadas por gestores sem experiência ou relação com a área. O diálogo com os empreendedores e trabalhadores da cultura está totalmente bloqueado. O cenário realmente não é bom do ponto de vista das políticas públicas federais”, analisa.

O pesquisador acredita que o crescimento dos recursos orçamentários a partir da virada do século 21, bem como a qualificação das políticas públicas, auxiliaram na construção do Sistema Nacional de Cultura. Ele explica que esse sistema se reproduz em nível estadual e municipal, e prevê a existência de conselhos, com representantes de vários setores culturais. “Esses conselhos devem interagir com os governos e criar planos de cultura, financiado por fundos voltados para o apoio ao setor cultural”, destaca.

Gilberto Gil, na guitarra, ministro da Cultura do Brasil de 2003 a 2008, em uma apresentação ao lado de Koffi Annan, ex-secretário geral das Nações Unidas, durante apresentação no palco da ONU em 2003. (Imagem: Reprodução/Youtube)

A reflexão converge com o pensamento de Luciane Leite Lima, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS. Para ela, é preciso pensar em dois contextos: nas consequências sociais da pandemia, pois, em situações como essas, é de extrema importância a implementação de medidas que minimizem os impactos nos grupos mais afetados, e no fortalecimento do setor cultural por meio de políticas públicas.

A transferência monetária direta, incorporada à lei Aldir Blanc, também é um instrumento importante: “Além disso, com o fortalecimento do setor, se beneficiaria da difusão no território nacional do Sistema Nacional de Cultura, um sistema de governança descentralizado, organizado em um regime de colaboração entre União, municípios, estados e a sociedade”, destaca.

O plano de cultura é um documento que apresenta a política pública do setor cultural do governo do momento, e que deve estar alinhado ao Plano Nacional de Cultura. Segundo Luciana, esse plano deve ser formulado com a participação da comunidade nos conselhos, já que estes são espaços institucionalizados justamente para promover a interação entre Estados e Sociedade.

A estrutura existente tem potencial para promover o fortalecimento do setor cultural em território nacional, nos municípios grandes e pequenos, com mais ou menos recursos. “É este plano que coloca em interação uma diversidade de atores, estatais e da sociedade, e fomenta a formulação de políticas específicas ao local, considerando suas necessidades e capacidades”, evidencia.

Em relação ao futuro da Lei Aldir Blanc, o deputado estadual e músico Luiz Marenco acredita que ainda há espaço para pensar positivo: “Os artistas querem exercer seu trabalho e pagar suas contas. Tua via os rodeios lotados, exposições, teatros, é o que nós queremos que volte, e vai chegar o tempo que o cenário vai melhorar”, projeta.

Tanto para Marenco quanto para Luciana, o resultado da implementação da Lei Aldir Blanc mostrou que muitos municípios aderiram a este sistema e têm condições de fazer uma retomada. Ou seja, as administrações locais identificam focos de produção cultural nas cidades e entendem a necessidade de implementar o socorro financeiro para a classe de artistas, principalmente no contexto social atual. O que é promissor.

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